Esse foi o pior primeiro trimestre da história dos mercados globais e da balança econômica dos países, e março passou sem deixar saudades. De certa forma, estamos todos mais pobres. Ao observador menos atento pode parecer que o principal impacto se deu na bolsa de valores. Não é verdade.
O PIB de todo o mundo vai retrair consideravelmente esse ano e o impacto nos próximos anos ainda é incerto. A tabela abaixo foi utilizada em uma apresentação essa semana por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil, e tenta ilustrar um pouco essa destruição de valor.
As empresas irão faturar menos, pagar menos dividendos e menores salários além de demitir parte dos colaboradores. As pessoas também irão consumir menos, o cenário atual exige cautela e liquidez. Cash is KING.
Sua casa perdeu valor, assim como seu carro, suas quotas no capital social da empresa. Seu bônus, provavelmente deixou de existir e por aí vai. Uma precificação dos ativos móveis e imóveis já ocorreu, mesmo que você não tenha notado. O impacto na bolsa é sentido mais rapidamente apenas por um detalhe, a liquidez da mesma. Essa é a maravilha e a maldição de se ter ações como investimentos: seus ativos podem ser negociados a qualquer momento e são precificados a todo minuto.
Mas não foi só nas bolsas pelo mundo afora que a perda de valor ocorreu. Títulos de renda fixa longos e curtos, de empresas privadas e soberanos (governamentais), também sofreram o impacto de curto prazo em sua precificação. Até o ouro, porto seguro tradicional performou mal nos dias de maior volatilidade. O investidor brasileiro, ainda engatinhando em termos de conhecimento e entendimento do mundo financeiro descobriu que é sim possível “perder dinheiro” na renda fixa.
Esse primeiro parágrafo te assustou? Não foi minha intenção. Esta carta será um pouco diferente. Situações inéditas, exigem abordagens excepcionais. Minha ideia é passar para vocês um panorama geral do que sabemos e principalmente do que NÃO sabemos ainda. Temos a tendência de usar conhecimento como terapia em busca de nos tranquilizar. Se esse é seu caso, não leia meu artigo. Nele me esbaldo na incerteza e em não saber.
“Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa”.
Balança Econômica e o COVID-19
A discussão se o evento em si era previsível ou não, para nossa situação atual é irrelevante. O fato é que o mundo não estava preparado para o impacto e velocidade do que ocorreu.
Assim como você também sou leigo em medicina. Estamos no mesmo barco do desconhecimento científico. Tenho buscado informações e ler o máximo possível do que os especialistas da área estão dizendo. Um ponto em particular me chama atenção, não existe consenso. Esse fato é pouco confortante para nós, mas é a realidade atual.
Será possível encontrar um remédio ou vacina? Em quanto tempo? Quanto tempo irá permanecer a restrição a circulação? Teremos novas crises parecidas nos próximos anos? Essas são algumas das perguntas que para mim seria importante ver respondidas. Tais respostas hoje ainda não existem.
O que a medicina tem feito é buscar informações onde elas são confiáveis, que seja, os países mais a frente na curva de contágio e propagação da doença.
Podemos perceber que o contágio no Brasil está em linha com o que vem ocorrendo no resto do mundo. Na verdade, poucos países parecem ter uma curva diferente da média mundial. Esse sucesso na contenção da doença será entendido ao seu tempo e tentativas de replicar tais condições serão cada vez mais comuns. Todos esses dados devem sempre ser analisados com cautela. Existem questões técnicas envolvidas. Cada país testa uma quantidade diferente de indivíduos e alguns não testam casos graves. Mas seguiremos com os dados que temos em mãos. Independente da intensidade em cada país, o vírus hoje é uma realidade mundial.
Sendo assim, o número total de infectados e de mortes ainda está longe de se estabilizar.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, podemos fazer a mesma analogia para os dados econômicos. Nesse sentido, temos a informação do impacto já registrado na economia chinesa no primeiro trimestre.
O choque foi forte na economia do país asiático. O mesmo vai acontecer com o resto do mundo. Na verdade, já está acontecendo, como mostra o dado do índice de confiança na Europa.
E não poderia ser diferente nos EUA onde o mercado de trabalho é o mais dinâmico do mundo. Os pedidos de seguro desemprego explodiram.
No Brasil, as medidas para tentar atrasar a propagação da pandemia já impactaram fortemente o faturamento das empresas, segundo dados da CIELO.
O QUE NÃO SABEMOS
Sem ter uma noção exata de qual a medida correta de restrição a circulação aceitável e mais importante ainda, por quanto tempo as medidas irão perdurar é impossível prever o impacto total na economia. Nesse ponto o leitor pode se indagar: mas não nos foi apresentado um quadro no início da carta do próprio BACEN com dados sobre impacto no PIB de vários países?
A pergunta é pertinente e explica muito do que quero passar nesse texto. Tanto economistas e gestores de investimentos, quanto médicos e cientistas buscam usar a matemática como ferramenta para fazer previsões e tentar tirar conclusões de cenários complexos e altamente dinâmicos. Na realidade, os resultados apresentados nada são senão isso, previsões. Com tantas variáveis em jogo, em um mundo cada vez mais interligado e situações nunca vivenciadas antes, tais previsões são por falta de palavra melhor, imprecisas.
Pelo o que pude aprender nessa crise até agora, isso vale tanto na medicina (vide a falta de consenso dos especialistas na melhor forma de conter o vírus), como com toda certeza vale também para a economia.
Como então confiar em um especialista que mesmo antes de todo esse cenário recente, nunca soube te responder com precisão se o melhor é comprar o dólar para sua viagem internacional hoje ou as vésperas do embarque?
Previsões econômicas, nada mais são que planilhas e modelos matemáticos, onde são imputadas diversas variáveis e adotadas premissas para se tentar prever o futuro. A literatura econômica está longe de um consenso amplo sobre todas as suas variáveis.
Sendo assim, no meu ponto de vista, qualquer afirmação categórica hoje sobre preço de ativos ou comportamento do mercado no curto prazo (24 meses – 36 meses) é nada mais do que isso, uma previsão imprecisa. Então, não posso e nem pretendo responder até quanto o índice Ibovespa ou demais bolsas mundiais podem cair nessa crise ou até quando ela irá perdurar. Muito menos se os ativos de renda fixa hoje possuem uma taxa mais interessante do que terão no mês que vem. E claro, não vou tentar lhes dizer qual será a cotação do dólar ao final do ano. Fato é que a bolsa caiu, caiu forte e caiu rápido.
Quando comparamos o desempenho brasileiro ajustado em dólar com os pares emergentes a foto fica ainda mais feia.
Vou finalizar minhas incertezas com uma previsão sobre a retomada da economia de uma das maiores consultorias do mundo, a Deloitte. O gráfico abaixo exemplifica tudo que tentei descrever sobre previsões econômicas. Pressupõe-se diversas variáveis hoje desconhecidas, como tempo de permanência em casa, em quanto tempo as pessoas se sentirão mais seguras quanto a saúde pesssoal e propagação do vírus e quando eventos e viagens serão retomados. Todo o racional faz sentido e traz conclusões tranquilizadoras, até o final do ano boa parte das atividades terão retomado seu curso normal.
Mas por melhor que eles sejam em prever cenários, não se trata de nada mais do que uma hipótese.
O QUE SABEMOS
Sobre alguns fatos já é possível ter certezas. O primeiro é que diferente da crise de 2008, o combate a pandemia do COVID-19 não apresenta o que os economistas chamam de risco moral. Em 2008, a leitura generalizada da opinião pública foi que os governos abriram os cofres para salvar banqueiros que foram imprudentes com seus negócios. Os governantes tiveram que lidar diariamente com decisões duras e muitas vezes impopulares. Dessa vez é diferente. Existe um consenso que as pessoas, empresas e quem sabe até os bancos devem ser apoiados e o governo deve agir ativamente provendo seguridade social, estabilidade e com toda certeza liquidez. Não vivemos hoje uma economia de mercado. Os governos ao redor do mundo usaram de sua força legal para proibir a circulação, fechar negócios e fábricas em prol de um bem maior, a saúde pública. O apoio já está vindo. Vários países já anunciaram as mais diversas medidas econômicas ou pacotes de ajuda para tentar conter a escalada do desemprego e manter as empresas funcionando. Abaixo temos um resumo de alguns números já aprovados em diversos países.
Tais medidas estão longe de serem definitivas e com toda certeza mais dinheiro será necessário antes de superarmos essa crise. Mas a dinâmica de apoio da população é um fator importante no curto prazo, onde será necessário agilidade. Coisa rara quando falamos de governos e políticos.
Puxando da tabela acima, temos também um dado importante. Na última coluna vemos a taxa de juros atual de algumas das principais economias do mundo. Tais taxas, em sua grande maioria são os menores patamares de juros já registrados nos países da tabela. O mundo vai conviver com elas por algum tempo. O cenário é recessivo, estímulos a economia serão imprescindíveis.
Não teremos espaço para aumento dos juros. Não em um mundo onde boa parte das dívidas atuais já se encontram em títulos com taxa real negativa. Isso mesmo, pode parecer incrível para nossa mentalidade ainda inflacionária e indexada. Nas economias desenvolvidas, mesmo em meio ao grande crescimento econômico dos últimos anos, boa parte dos investidores emprestavam seu dinheiro para receber menos do que investiram nominalmente. Não digo em termos reais (descontados a inflação). O quadro abaixo mostra o estoque total de títulos com dívida negativa no mundo atualmente:
Note que tínhamos algo como 15 trilhões de dólares de estoque total antes do início da crise. O número chegou a diminuir bastante durante o mês de março, principalmente devido as correções nos mercados globais e as preocupações com os balanços de pagamentos dos emissores. Esse movimento foi suavizado ao longo do mês, com o anúncio de afrouxamento monetário (diminuição nos juros) por diversos bancos centrais ao redor do mundo. Hoje, esse estoque está próximo de 10,6 trilhões de dólares, ou cerca de 19% de todo o mercado global de títulos de renda fixa.
Os ativos de juros negativos nada mais são do que portos seguros. Os investidores principalmente japoneses e europeus, buscam segurança e liquidez que apenas títulos de alta qualidade proporcionam. Segurança e liquidez. Exatamente o que muitos investidores ao redor do mundo buscaram nas últimas semanas.
As baixas taxas de juros ao redor do mundo vieram para ficar por um período, quanto tempo não ouso dizer. O Brasil não é uma bolha isolada do resto do mundo. Taxas de juros menores nos permite ter também juros menores no Brasil no curto prazo. O último boletim Focus publicado pelo BACEN já mostra essa tendência.
Hoje, a SELIC prevista para o fim do ano está na faixa de 3,25% ao ano. Como a taxa atual é de 3,75%, a pesquisa indicaria um corte adicional de pelo menos 0,50% até dezembro. Mas o Focus é uma mediana, algumas casas já revisaram suas expectativas de forma mais agressiva. A menor que tive acesso até o momento foi da Asset do Itaú, incríveis 1,75% ao final de 2020. Na verdade, pouco importa onde vai ser o fim do ciclo de cortes nos juros. O importante é termos em mente que nessas poucas semanas o cenário para os investimentos mudou. Taxas de juros baixas no curto prazo, uma grande incerteza de como as mesmas taxas irão se comportar no longo prazo, com o aumento crescente dos déficits fiscais e a certeza da escalada das dívidas públicas em relação ao PIB, cenário mais do que desafiador na bolsa (ainda mais com grande parte dos investidores machucados ou retraídos), incertezas no câmbio, nas importações, exportações e até nas relações comerciais entre as nações. Acrescente ainda o componente da disputa atual no setor petrolífero. As taxas de juros negativas, com certeza de recebimento do principal investido começam até a parecer um bom negócio.
Mas nós investidores sabemos de mais algumas coisas e podemos nos preparar para qualquer cenário.
Primeiro é que uma carteira diversificada, bem alocada em várias classes de ativos, no longo prazo sempre vai performar melhor do que uma carteira concentrada. A dança da cadeira no mundo dos investimentos é uma constante.
O quadro abaixo montado pelo Wells Fargo demonstra o desempenho de 16 classes de ativos na economia americana em um período de 15 anos. Passando por títulos do governo, diferentes categorias de renda fixa, ações e até commodities. Independente do conteúdo e rentabilidades, foque nas cores. A performance dos ativos em relação a seus pares se alterna ano após ano.
Outra certeza é a de que um portfólio bem diversificado também apresenta uma relação risco (volatilidade) x retorno mais interessante para o investidor. O estudo abaixo realizado pela Fidelity, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, com mais de 2,5 trilhões de dólares sob gestão em 2008 mostra isso.
O levantamento foi feito em portfólios com diferentes perfis de risco, usando dados de 1926 até 2018. Como bem sabemos, podemos considerar que passamos por algumas crises nesse período. O portfólio agressivo, com até 85% em ações, tem o melhor desempenho na média. Mesmo apresentando em seu pior ano um desempenho negativo de incríveis – 61%. Importante notar também, que em economias mais desenvolvidas, o investidor conservador tem até 20% do seu capital em renda variável, ações. Esse é o cenário que o Brasil está começando a ter como realidade. Taxas de juros baixas, inflação controlada e foco na atividade real. Não vai ser o COVID-19 que vai quebrar nosso avanço, tenho certeza.
Note que o retorno do portfólio agressivo está muito em linha com o retorno médio do S&P (índice de ações americanas) no longo prazo. Os dois são aproximadamente 10%.
É possível buscar retornos melhores? Claro, a maioria dos investidores conhece um senhor que conseguiu entregar desempenho superior a esse consistentemente. Ele se chama Warren Buffet e sua empresa é a Berkshire Hathaway, mas saibam que esse histórico o tornou a maior lenda que já viveu no mundo das finanças e atualmente um dos 5 homens mais ricos do mundo.
O S&P500, no período acima, rendeu incríveis 19.800%, basicamente multiplicando por quase
200x o investimento original. Mas veja as ações da Berkshire: renderam 2.700.000%! Mil dólares investidos em 1965 valeriam hoje mais de US$27.000.000. Esta diferença brutal advém da média de retorno anual de 20% na Berkshire contra 10% do S&P.
Uma estratégia bem traçada e colocada em prática com disciplina, dificilmente irá falhar. As crises nos exigem disciplina e ao investidor paciência.
“Preço é o que você paga, valor é aquilo que você recebe”. – Warren Buffet Abraços e bons negócios.
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